sábado, 26 de fevereiro de 2011

O dilema da pimenta

Quando era pequeno, lembro que meu pai colocava pimenta no pastel, enquanto eu preferia catchup. "Por que ele come dessa coisa ruim, ardida, que tira todo o gosto?", eu pensava ao mesmo tempo em que despejava potes do molho vermelho docinho no meu pastel.

Geralmente coisas assim mudam quando a gente cresce. Qual criança nasce gostando de cerveja e vinho? É questão de treinar o paladar, domá-lo a não aceitar só os sabores mais óbvios e confortáveis. O mesmo se passa com os outros sentidos, creio, senão estaríamos todos ouvindo disco da Xuxa até hoje (sim, eu ouvia) e vendo Jaspion na TV (ops...). Bem, fato é que, infelizmente, a tal transformação não se passa com a pimenta aqui no Brasil (ou em partes dele, melhor dizendo). As pessoas, incluindo eu, chegam à idade adulta desprezando os prazeres variados do ardor. E não se excluem aí nem os críticos gastronômicos: quantas vezes já não li resenhas de restaurantes tailandeses dizendo "muito bom porque não exagera na pimenta". Exagera o quê, cara pálida?

A pimenta é malévola quando destroça os sabores, mas faz exatamente o contrário quando aplicada com sabedoria. Reforça os outros ingredientes ao mesmo tempo em que arrasa o território, às vezes na boca, outras no estômago. Essa sabedoria têm os tailandeses, os sichuaneses, os mexicanos, os coreanos.

É com um membro desses últimos que tive meu rito de passagem, aliás. Faz uns anos, um dia estava eu com um deles sem saber o que comer, ele ofereceu um macarrão à carbonara. Eu disse que preferia a autêntica comida coreana, bobinho, e ele fez cara feia. "Meu carbonara é o melhor do mundo, mas se você não quer, vou fazer para você o verdadeiro prato coreano". Sujeito sádico, ele. Cortou o polvo, as verduras e misturou os temperos. Quando achei que já tinha terminado, adicionou meia xícara de pimenta vermelha em pó. Eu pedi "não, é muito", e ele ignorou. Abriu o congelador de lá e tirou duas jalapeños inteiras, cortou em rodelas e jogou na comida.

A gente desses países costuma ter complacência com estrangeiros. Mas eu tinha pedido para ingressar no terreno proibido e ali estava. Coloquei a primeira colher na boca e tossi forte. Na segunda, já parecia que não ia aguentar mais. Água, água, água. Muito arroz branco para acalmar. Era mais resistente meu orgulho, porém, e aqueles olhos apertados nunca iam ter o prazer de me ver desistir. Prossegui entre tosses, soluços e lágrimas. Valeu o esforço. Lá pelas tantas, entendi o amor dos coreanos pela sua comida, até então nada de mais para mim. Aha, então o segredo está na pimenta.

Capsicum frutescens. Essa é a espécie da pimenta-malagueta, usada aqui no Brasil, da tabasco, da caiena e da olho de pássaro, a tailandesa. Queria entender melhor a diferença entre uma e outra, colocar lado a lado e experimentar para ver. Sei que usar a malagueta em prato tailandês não dá o mesmo resultado... Mas queria saber bem mais.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A estranha batata andina

São poucas as vezes em que eu como um prato ou ingrediente famoso de um país e não gosto. Algo já consolidado pelos anos e pelos costumes, apreciado de alto a baixo na pirâmide social, tipo arroz-e-feijão no Brasil. Mas tá, aconteceu, no meio da feira dos bolivianos no Pari. Uma batatinha estranha, acinzentada como um inhame e gosto de...parede. Não é tenra como uma batata cozida nem dura como uma crua. Parece mais uma massa de pão antes de ir ao forno.

Tá, isso tá com jeito de descrição das comidas indígenas feitas pelos portugueses das caravelas. Mas eles não tinham wikipédia e eu, sim, por isso já sei que o nome da tal do ingrediente é chuño ou tunta e é consumida na região andina, entre Bolívia, Peru e norte do Chile. Trata-se de uma batata desidratada consumida há milhares de anos pelos habitantes locais, que podiam armazená-la por anos até. O processo de preparo dura algumas semanas e costumava ser acompanhado de uma série de cantos e rituais para a colheita dar certo. Hoje em dia não sei como é, talvez ainda tenha um pouco disso.

Li que a tunta é meio desprezada nos grandes centros, ou se não desprezada, deixada um pouco de lado. Me lembra um pouco a mandioca, que em muitos locais no Brasil hoje em dia reduze-se à sua forma fast-food, frita e crocante, enquanto originalmente já foi usada até para fazer pinga (talvez seja ainda, não sei). Mas a tunta não é como a mandioca, a tunta tem menos sabor e é mais pesada. Dá a impressão mesmo de ser comida de tempos difíceis, tipo guerra e seca, não algo que se come porque é gostoso. Será certo isso? Os chineses pensam o mesmo das batatas, e de certo os alemães e os peruanos não concordam.

Eu não gosto de beterraba e azeitona, porém não vejo problema no xarope de beterraba alemão, usado como molho de carnes fortes, e sou viciado em azeite de oliva. Talvez a tunta só tenha que estar numa forma diferente para me agradar. De qualquer jeito, fiquei curioso pelo modo como ela é produzida. Encontrei esse vídeo dos andinos sapateando em cima das batatas para limpar e tirar todo o líquido. Fiquei com mais vontade de comer, hahaha.

http://www.youtube.com/watch?v=VTw6u2QIDlg