domingo, 26 de dezembro de 2010

Respeito ao peru


O peru defunto, desses que se compra para o Natal, é um bicho bonitinho. A pele rosada, as coxas cruzadas e as asas juntinhas ao corpo. Impõe também um certo respeito, desculpa aí a minha doideira: é maior que o frango, tem o peito empinado, maior classe. Fora as razões reais, entendo que por isso foi escolhido para essas ceias de ocasiões especiais. Não sei como é um ganso ou esses outros pássaros que os europeus usam, mas o peru, mesmo defunto, tem um charme latente.

Daí que eu fico puto contra os que dizem que a carne dele “é seca”, “sem gosto”, “forte demais”. Mas quê! Ofensa moral gravíssima, meu caro. As duas primeiras queixas, pode ter certeza, são culpa da inaptidão do cozinheiro. Já a última, é só se você, flor, está tão acostumado ao franguinho trivial do dia-a-dia que não aguenta algo que tem sabor de verdade.

Neste ano fiz o segundo peru da minha vida. O primeiro foi no Japão, para a ceia de Natal do pessoal do trabalho. Era dia 24 de manhã, eu ainda iria fechar o jornal para depois preparar o rango. Uma amiga que é boa, mas naquele dia foi da onça, tinha insistido no dia anterior pra comprar o bichão. Levamos no trem mesmo, sei lá o que os japoneses pensaram do negócio, acostumados que estão a “comemorar” comendo frango do KFC (sim, é sério). Tá, deixei dentro do pacote fora da geladeira para descongelar e, no dia seguinte de manhã, acordei antes do sol aparecer para temperar. Quando abri a embalagem, descobri um iceberg em forma de ave: desespero! Enchi a pia de água para conceder ao peru o seu último banho e deixei lá, boiando que nem o bebê na capa do CD do Nirvana.

Na volta para casa, lá pelas seis da tarde, o peru tinha descongelado. Fiquei tão feliz que dancei com ele. Temperei correndo, pus no forno e esperei os convidados chegarem, entre eles, uns tantos japas que nunca tinham comido peru na vida. Desastre: ficou seco, sem gosto. O peruzão tinha viajado desde os Estados Unidos até o Japão para terminar humilhado e desprezado numa travessa entre tantas outras.

Neste ano, prometi fazer o peru em casa e, para evitar o mesmo sacrilégio, pesquisei um monte de receita, vi vídeos no youtube. A escolhida veio de um chef meio americano que mora no Brasil e fez um peru na minha frente no passado. Juntei uns elementos de outras fontes e abracadabra. Funcionou. Foi assim:

Temperei o peru com sal e pimenta-do-reino moída na hora. Deu um banho nele com três partes de vinho branco misturada a uma de molho inglês. Daí misturei meia xícara de manteiga a sálvia, alecrim e tomilho picados e empastelei o bicho. Fundamental: passar a mistura por baixo da pele do peito (dá uma sensação única de ser cirurgião plástico). Assim não tem carne seca. Para o peru dormir bonitinho no forno, uma cama de rodelas de salsão e cenoura, uma coberta de papel-alumínio. Duas horas no forno a 200ºC, tira o alumínio, rega com o molho no fundo da assadeira e mais uns 45 minutos assando para pegar uma cor.

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