segunda-feira, 14 de março de 2011

O tsunami e a língua de boi


Às vezes a gente sente culpa por fazer certas associações meio naturais, meio estranhas. Mas o cérebro dá dessas, não tem jeito, e é melhor admitir, ainda que com certa culpa.

A tragédia no Japão lembrou a um amigo uma música chamada “Tsunami”, que não tem nada a ver com o que aconteceu lá. O meu reagiu a outra palavra que anda muito mencionada: Sendai, a capital de Miyagi. Nunca estive lá nem tenho amigos na região. A única coisa que sei dessa cidade é que tem um prato bem conhecido chamado gyuutan. Gyuu é a leitura chinesa para “boi”, tan é do inglês tongue, língua.

A língua de boi de Sendai é cortada em tirinhas finas e grelhada. Está em vários restaurantes de Tóquio e atrai a Miyagi um monte de turistas da metrópole interessados em comer in loco. Lembro, por exemplo, que perto da minha faculdade tinha um lugar com um banner vertical amarelo com letras vermelhas anunciando o prato. Sempre passava na frente e tinha vontade de experimentar. Nunca experimentei. Por quê?

Não sei. No Japão, cada província, cada cidadezinha tem seu prato ou ingrediente famoso. Eu provava tudo, claro. Mas por alguma razão não aconteceu com o gyuutan. Devia ser gostoso, não tem nem dúvida. A ideia de ser língua de boi, será? Provável...Esses preconceitos vêm inconscientemente e você nem percebe que eles estão norteando as escolhas.

Aí agora fico eu pensando em gyuutan. A história do prato é interessante: foi inventada por um tal de Keishiro Sano, que tinha um restaurante de espetinhos de frango nos anos 40. Na época da ocupação americana do pós-guerra, a fome levou à escassez das aves, e tudo o que tinha para consumir eram os alimentos desprezados pelos americanos: rabo (tail) e língua (tongue). Por isso, em 1947, o Sano trocou o frango pela língua de boi. O nome do prato parcialmente em inglês ficou como "homenagem" aos americanos.

O restaurante existe até hoje e o gyuutan está até na forma de sashimi. De um episódio trágico, cheio de fome e miséria, nasceu a iguaria que viraria símbolo da cidade. Quando for ao Japão novamente, quero provar o gyuutan em Sendai. E talvez mais alguma criação esperta que nasça destes tempos difíceis.

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